A beleza não elimina a tragédia, mas a torna suportável.

segunda-feira, 30 de setembro de 2013

“Somos queijo gorgonzola”


Estamos envelhecendo, estamos envelhecendo, estamos envelhecendo, só ouço isto. No táxi, no trânsito, no banco, só me chamam de senhora. E as amigas falam “estamos envelhecendo”, como quem diz “estamos apodrecendo”. Não estou achando envelhecer esse horror todo. Até agora. Mas a pressão é grande. Então, outro dia, divertidamente, fiz uma analogia.

O queijo Gorgonzola é um queijo que a maioria das pessoas que eu conheço gosta. Gosta na salada, no pão, com vinho tinto, vinho branco, é um queijo delicioso, de sabor e aroma peculiares, uma invenção italiana, tem status de iguaria com seu sabor sofisticadíssimo, incomparável, vende aos quilos nos supermercados do Leblon, é caro e é podre. É um queijo contaminado por fungos, só fica bom depois que mofa. É um queijo podre de chique. Para ficar gostoso tem que estar no ponto certo da deterioração da matéria. O que me possibilita afirmar que não é pelo fato de estar envelhecendo ou apodrecendo ou mofando que devo ser desvalorizada.

Saibam: vou envelhecer até o ponto certo, como o Gorgonzola. Se Deus quiser, morrerei no ponto G da deterioração da matéria. Estou me tornando uma iguaria. Com vinho tinto sou deliciosa. Aos 50 sou uma mulher para paladares sofisticados. Não sou mais um queijo Minas Frescal, não sou mais uma Ricota, não sou um queijo amarelo qualquer para um lanche sem compromisso. Não sou para qualquer um, nem para qualquer um dou bola, agora tenho status, sou um queijo Gorgonzola.

Maitê Proença

sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Pesando os dias!


"Contei meus anos e descobri que terei menos tempo para viver daqui pra a frente do que já vivi até agora. Tenho muito mais passado do que futuro. Sinto-me como aquele menino que recebeu uma bacia de cerejas... As primeiras ele chupa displicentemente, mas percebendo que faltam poucas, rói o caroço. 
Já não tenho tempo para lidar com mediocridades. Não quero estar em reuniões onde desfilam egos inflados. Inquieto-me com invejosos tentando destruir quem eles admiram, cobiçando seus lugares, talentos e sorte. Já não tenho tempo para conversas intermináveis, para discutir assuntos inúteis, sobre vidas alheias, que nem fazem parte da minha. Já não tenho tempo para administrar melindres de pessoas, que apesar da idade cronológica, são imaturas.
'As pessoas não debatem conteúdos, apenas os rótulos.'
Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos. Quero a essência, minha alma tem pressa.
Sem muitas cerejas na bacia, quero viver ao lado de gente humana, muito humana; que sabe rir de seus tropeços, não se encanta com triunfos, não se considera eleita antes da hora, não foge de sua mortalidade. Caminhar perto de coisas e pessoas de verdade.
O essencial faz a vida valer a pena.
E para mim, basta o essencial."

(Rubem Alves)

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Nosso lugar (Victor Chaves)

No lugar da promessa, basta a palavra. 
No lugar da culpa, basta perdoar-se. 
No lugar do arrependimento, basta a compreensão do que não vale mais à pena. 
No lugar de preocupar-se, basta importar-se. 
No lugar da carência, basta a doação. 
No lugar da cobrança, basta o merecimento. 
No lugar da reclamação, basta atitude. 
No lugar da prepotência, basta a humildade, consciente de que, nem mais, nem menos que ninguém, somos apenas o que estamos. 
Estamos todos, em diversos sentidos, um pouco acima do chão e muito abaixo do céu.

No meio do caminho tinha um poste. No meio do silêncio um palhaço. No meio da alegria que espreita, os outros que seguiam sem olhar pros lados. No meio do caminho sem Drummond, nem pedra, nem retina fatigada. No meio do caminho do palhaço, uma alegria esperando pra virar piada. No meio do caminho, tantas cores. À espreita do poema, gargalhada.


Texto: Marla de Queiroz