A beleza não elimina a tragédia, mas a torna suportável.

sexta-feira, 17 de junho de 2011

Coração de Maria-fumaça


 Tem um coração de trem que mora no meu peito.
Um coração tocado a lenha e fogo.
Coração que, bebe água, muita água, apita e corre pelos trilhos das saudades.
Coração-trem mineiro singrando pelos vales, montanhas
e lugarejos esquecidos no mapa das Gerais.
Coração Maria-fumaça!...
Coração trem-de-ferro, trem de dor de dormentes, minérios, pedras sabão,
fuligem de sonhos espalhadas nos móveis barrocos do peito poeta
e trilhos escorregadios que me levam aos rios de ilusões
de cachoeiras.
Coração com cheiro de charque e salitre... Salitre de Minas,
onde uma charqueada cantou meus dias de infância.
Coração-vulcão sem lavas na Serra Negra. Coração-verso extinto.
Coração-verso que abriga uma lagoa de águas sulfurosas
e palavras de água mineral engarrafada.
Coração em forma de triângulo e cercado por rios.
Rios de pedras preciosas e estrelas... Estrela do Sul.
Coração de Cruzeiro do Sul. Meu Cruzeiro querido...

Transportei saudades, bagagens, progresso
e trouxe na mala a esperança das flores.
Nas serras talhadas, singrei entre os versos
de jovens neblinas e antigos amores.

Hoje, ando sem trilhos cantando dormentes,
apito na curva e adormeço nas retas,
sou velha fumaça ringindo seus dentes,
perdido andarilho: poeta ou poeta!

Se saio das linhas, descarrilo as frases
nas pontes da vida que ensinam passagens,
para as estações de janelas e abraços...

Preservo as palavras às águas e às crases.
Nessas paralelas, aceito as miragens
dos trilhos que sigo em busca dos meus passos.

Nathan de Castro

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