A beleza não elimina a tragédia, mas a torna suportável.

sexta-feira, 3 de junho de 2011

Violinos velhos tocam música.


(...) Escrevi, faz muito tempo, sobre um casal de velhos que havia esperado mais de 50 anos para se casar. Morta a mulher do homem, morto o marido da mulher, os viúvos se encontraram para viver, no pouco tempo que lhes restava, o amor que ficara estrangulado. O velho, 79 anos, ressuscitou. A primeira mulher odiava violino. Ele amava violino. Resultado: para evitar ruídos vocais, ele deixou seu violino sobre o guarda-roupas, por mais de cinquenta anos. Largado, as cordas do violino arrebentaram e arrebentadas ficaram... Ah! Que triste metáfora para a alma daquele homem, violino impedido de fazer música... Tomado pelo novo-velhíssimo amor, as cordas da alma se afinaram, o violinista ressuscitou do ataúde em que se encontrava preso, e tratou de reformar o violino que estava em cima do guarda-roupa. (Por vezes um violino é mais potente, sexualmente, que o corpo de uma donzela... ) E o violino velho, esquecido dos prazeres da juventude, começou a tocar de novo. Essa metáfora me faz rir de alegria. Será isso? O corpo será um violino e a alma será uma música? Há, nos anais da psicanálise, o relato de uma pessoa que sonhava tocar violino em público – e o sentido do sonho era “masturbar-se em público“. Estou meio esquecido. Se não foi bem assim, peço que meus colegas me corrijam, para benefício dos leitores. O que nos interessa é essa deliciosa relação metafórica entre o instrumento musical e os instrumentos sexuais. Afinal de contas, fazer amor é sempre tocar um dueto. É preciso que os dois toquem para que o dueto soe como deve. E o amor foi enorme, no curto espaço em que durou. O violino não aguentou a intensidade da sonata: despedaçou-se antes que ela chegasse ao fim. O velhinho morreu aos 80 anos. Escrevi uma crônica sobre o acontecido. Pois algum tempo depois, recebo um telefonema de uma mulher desconhecida. Era ela! Por quarenta minutos me relatou com detalhes a alegria do amor que ela e o seu amado haviam vivido. E, ao término da conversa, me disse essa coisa linda que, toda vez que conto, choro de emoção: “Pois é, professor. Na idade da gente não se mexe muito (por favor! Observem o muito!) com as coisas do sexo. A gente vivia de ternura!“

Rubem Alves!

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